Contaremos aqui uma história bem antiga, mas que ainda representa um grande futuro para a indústria de alimentos: o uso do Penicillium nas indústrias de carnes e laticínios. Mais precisamente, uma história de nossa parceira canadense, a Lallemand.
Fundada em Montreal no final do século XIX por um jovem imigrante da Alsácia (em alemão, ), a empresa adotou o apelido “Lallemand”, que significa “o alemão” em francês. Isso tudo porque os habitantes locais tinham bastante dificuldade em pronunciar o nome do jovem!
Em 1923, a Lallemand começou a produzir levedura para panificação em sua fábrica em Montreal (que ainda está em operação), atendendo à indústria de panificação da América do Norte. Embora as origens da Lallemand remontem ao final do século XIX, sua experiência em microbiologia é ainda mais antiga, datando de 1862, na Alemanha.
Em 1952, a família Chagnon, francesa, adquiriu a Lallemand, expandindo seus negócios e tornando-a uma das principais empresas no desenvolvimento e na produção de cepas específicas de leveduras, bactérias e mofos, como o Penicillium. Hoje, a Lallemand atende a diversos mercados, como: panificação, fabricação de cerveja, enologia, bebidas destiladas, biocombustíveis, cultivos vegetais, alimentos, saúde humana, produtos farmacêuticos e nutrição animal.
A PARCERIA COM A GLOBALFOOD
Este ano, a Globalfood completa 10 anos atuando na comercialização de culturas starter da Lallemand no Brasil, por meio do qual atende as indústrias de carnes e laticínios. Contamos com seus mais de 100 anos de experiência na produção de microrganismos e, especialmente, de Penicillium. É uma história fascinante! O primeiro Penicillium foi isolado por Georges Roger, um senhor aposentado que era ex-chefe de um moinho de grãos em La Ferté-sous-Jouarre. Isolar essa cepa, sempre branca, mudou a característica dos queijos Brie para sempre!
Dessa iniciativa de sucesso nasceu o laboratório Roger em 1897, permitindo a produção do primeiro queijo inoculado com Penicillium candidum, em 1898.
Desde então, são produzidos ali, diariamente, cepas de Penicillium que respeitam os mais elevados padrões de qualidade e excelência, atendendo às necessidades dos clientes e fornecendo culturas de alta qualidade. A possibilidade do uso de culturas mudou radicalmente o cenário produtivo.
Normalmente, as espécies de Penicillium aplicadas em produtos cárneos e queijos não são as mesmas. Na indústria cárnea, utiliza-se mais comumente o Penicillium nalgiovensis. Já para os queijos, o Penicillium candidum. Mas o processo de aplicação é basicamente o mesmo, tanto para carnes curadas quanto para queijos de mofo branco. Os resultados também encantam em ambas as categorias: melhoras significativas em sabor e bioproteção. Sendo o pioneiro a colonizar a superfície do alimento, o Penicillium proporciona uma camada branca, limpa e uniforme, inibindo assim o crescimento de fungos deteriorantes e a formação de micotoxinas, que surgem principalmente a partir da competição por espaço na superfície do produto.
BENEFÍCIOS E CUIDADOS NO USO
Como dito anteriormente, além do aspecto visual, a presença do mofo branco selecionado contribui para o desenvolvimento do perfil sensorial através de suas atividades enzimáticas. Suas enzimas podem difundir-se na carne e agir desde a superfície até o centro do produto, apurando sabores. Por fim, quando a superfície está coberta pelo mofo Penicillium, forma-se uma barreira que evita a oxidação do produto acabado, protegendo-o.
Parâmetros ambientais, como umidade do produto, umidade relativa, fluxo de ar e temperatura da câmara de maturação, são parâmetros-chave a serem gerenciados em cada estágio de maturação, pois são fatores que dominam o ciclo de vida do Penicillium.
A APLICAÇÃO
O mofo Penicillium é comercializado em envelopes. Dentro dos envelopes estão os esporos, também chamados de conídios, que precisam de muita umidade para germinar e são como as sementes das plantas. Isso acontece durante a fase da fermentação, quando as temperaturas são mais altas; acima de 20°C durante 3 dias, por exemplo.
A seguir, recomenda-se iniciar a secagem do produto nas câmaras de maturação, para evitar o desenvolvimento de leveduras, bactérias e bolores deteriorantes. Olhando bem de perto o produto que recebeu o Penicillium, é possível observar um crescimento vegetativo do micélio, que pode ser
comparado ao das raízes das plantas.
Depois disso, estruturas parecidas com pequenas árvores, os conidióforos, crescem a partir do micélio durante a fase de secagem. Diminuindo a temperatura para aproximadamente 14°C e mantendo a umidade relativa abaixo de 80%, limita-se o crescimento do Penicillium; caso contrário, ele fica muito espesso.
O estágio final do desenvolvimento consiste na produção de esporos por conidióforos maduros. A umidade na superfície deve ser limitada tanto quanto possível no final da fase de secagem, a fim de garantir uma melhor estabilidade dentro da embalagem durante a vida útil do produto. Importante ressaltar que o Penicillium não suporta excesso de umidade; por isso, o controle da umidade na câmara fria é essencial.
IRREGULARIDADES
Para manter os padrões de qualidade, contaminações por leveduras e outros mofos devem ser combatidos. As irregularidades apresentadas nas fotos acima podem ocorrer por causa do crescimento inadequado ou da morte do Penicillium, principalmente por falhas no controle da umidade, que acarretam o crescimento de flora deteriorante.
Na foto, é possível identificar a presença de manchas amarelas. Elas podem ser provenientes – principalmente – de contaminação atmosférica, que cresce junto com o Penicillium quando a umidade está muito alta. No sentido de evitar outras contaminações, é preciso manter o ambiente o mais limpo possível, especialmente as superfícies de contato ou ar da câmara, evitando deixar áreas úmidas, especialmente após a limpeza. Também vale observar se a parte superior da peça de salame está muito seca, sendo essa uma condição ruim para o desenvolvimento do mofo branco.
As contaminações podem ser detectadas por inventário visual ou placa de contato aplicadas a pisos, portas, paredes, teto, carrinhos e câmaras de maturação. Tudo isso ajuda a identificar onde a lavagem e a desinfecção devem ser reforçadas. Deve se dar atenção especial a tudo que entra nas câmaras de maturação, especialmente as roupas dos trabalhadores. Os barbantes e as redes utilizadas na fabricação desses produtos podem ser uma fonte de contaminação, porque são feitos de fibras naturais. A câmara de fermentação é frequentemente um dos principais vetores de contaminações, pois as trocas de temperatura promovem condensação. Assim, o ambiente deve ser mantido seco e limpo.
Além disso, é necessário evitar a contaminação cruzada entre produtos secos contaminados que libertam esporos voláteis e produtos recentemente inoculados. O princípio do movimento direto é ideal para reduzir o risco de contaminação cruzada. A fumigação com ventilação é uma boa forma de eliminar os esporos presos nas câmaras de fermentação.
Uma boa prática, ainda, é aguardar o fim do ciclo antes de inocular a câmara, pulverizando as peças com o Penicillium e ligando a ventilação para atingir todas as áreas.
Em resumo, manter o nível de umidade é crucial: 1% ou 2% de umidade podem fazer a diferença na contaminação! Após a primeira fase – que é mais úmida para assim promover germinação, e quando a temperatura também é mais alta – deve-se baixar a temperatura e iniciar a secagem o mais rápido possível.
OS VÁRIOS TIPOS DE PENICILLIUM
O Penicillium nalgiovensis é a tradicional flora dos produtos cárneos.
Desenvolve-se rapidamente, criando uma casca curta, fina e pulverulenta, que é macia e seca, com sabor de “farelo de trigo”.
O Penicillium candidum, também chamado de P. camemberti, tem aspecto diferente. É mais espesso, mais fofo, menos esporulado e, portanto, a casca fica menos pulverulenta. Pode trazer sabor de “cogumelo” ou “camembert”.
Uma mistura de Penicillium nalgiovensis e candidum pode ser uma opção para obter as vantagens de ambos Penicillia.
Em algumas câmaras de maturação, é possível observar um cheiro forte de amônia no ar. Isso significa uma atividade excessiva do Penicillium, devido ao excesso de umidade e crescimento. Quando o Penicillium não tem mais açúcares para metabolizar, ele passa a utilizar as proteínas. Se o nível de
proteólise for alto, a catabolização de aminoácidos contribuirá para o cheiro de amônia. Em geral, isso pode ser resolvido com uma umidade relativa mais baixa e mais ar fresco.
CONCEITOS FINAIS
Os muitos cuidados valem a pena, em todas as etapas do processo!
Vamos, portanto, relembrar os principais deles:
>> Instalações que não utilizam ar fresco são as mais impactadas. Porém, tome cuidado com o ar fresco: ele deve estar o mais seco e limpo possível, devendo ser filtrado para evitar contaminação por esporos externos. É importante priorizar a qualidade do ar durante o processo de secagem e otimizar o ambiente para, assim, manter o mofo Penicillium branco, saudável e bonito durante todo o processo e subsequente vida de prateleira.
>> A higiene geral deve ser priorizada – desde as vestimentas até as ferramentas de trabalho. O uso do Penicillium foi uma descoberta que trouxe grandes benefícios e, agora, já é uma tradição das indústrias da carne (salame com mofo branco) e dos laticínios (os queijos de casca florida). Junto com a Globalfood e a Lallemand, é possível fazer essa viagem histórica e criar produtos de excelência em sua indústria!