Açougues têm um novo território a desbravar

Açougues têm um novo território a desbravar

O varejo vem passando por muitas mudanças para atender um consumidor com novas expectativas em suas experiências de compra. Muitos acreditam que o varejo está em declínio, porém há o exemplo de um segmento que encontrou alternativas – o de farmácias, que vem crescendo em números de unidades no Brasil. Andrea Mesquita, CEO do Território da carne, lançou uma pergunta: o que há por traz desse crescimento versus o declínio do número de açougues que se mantêm abertos? Para responder a essa pergunta e falar sobre os propósitos do Território da Carne, a Revista + Carne entrevistou Andrea Mesquita. Confira!

Revista + Carne Como foi o início de sua trajetória no setor de carnes?

Andrea Mesquita – Nasci na capital de São Paulo, mas sempre gostei do campo. Embora ninguém de minha família tivesse ligação com atividades rurais, decidi realizar o meu sonho e formei em Zootecnia. Na busca por conhecimento, me apaixonei por suínos, mas meu primeiro emprego num frigorífico de boi, na JBS. Lá, vi as muitas oportunidades que existiam no setor. Como não era da área, meu olhar era diferente, observava um ralo vazando, torneira pingando, embalagem desperdiçada, enfim, nem olhava para a carne, olhava para o dinheiro. Meu pai sempre me alertou para a importância de usar bem o dinheiro em todas as áreas de vida e em empresas. Por isso, sempre pensava em economizar e tinha uma visão com esse foco no frigorífico. Isso foi muito bom, porque tive uma ascensão muito rápida na JBS e a diretora falava: ‘o que essa menina está fazendo, nem o gerente industrial faz’.

Revista + CarneComo foi sua trajetória quando saiu da JBS?

Andrea Mesquita – Sai da empresa por decisão própria. Chegou um momento em que me perguntei: quero me tornar um pequeno entre os grandes ou ser grande entre os pequenos?Fiz minha opção e pensei em um lugar menor para crescer e fui trabalhar para uma marca de carnes nobres – a 481 e, lá, aprendi sobre carnes e entendi o quanto o varejo precisava de mais cuidado.

Antes disso, eu estava vendendo para o varejo e para o food service e o profissional do food service não tinha nenhum conhecimento de frigorífico, ele queria apenas vender. Quando ele chegava querendo um produto específico, ele não tinha noção do quanto tempo esse produto demorava para produzir.

Revista + CarneQuando decidiu criar o Território da Carne?

Andrea Mesquita – O meu start do Território da Carne foi na época que eu percebia que havia muitas perdas de carne no varejo em relação ao tempo que demorava na produção da fazenda ao frigorífico. Vi que faltava informação para o varejista e que ele precisava entender mais sobre os processos e, por isso, comecei a postar em redes sociais. Estava incrédula com o desperdício e vi que havia um gap de informação para o varejo. Tive uma conversa com minha mãe, que é mercadóloga e comecei a pensar no nome da empresa. Depois de várias alternativas, chegamos ao Território da Carne, que, hoje, presta assessoria para profissionais da área de carnes, promove cursos para proprietários de açougue, faz treinamento in company, conta com Mentoria (PDA), com sessões on-line direcionadas ao profissional de varejo de carnes que deseja melhorar seus resultados.

Revista + CarneQuais perfis de proprietários de açougue que existem hoje no Brasil?

Andrea Mesquita – Temos um módulo de nosso curso que fala exatamente isso. Podemos dizer que, atualmente, existem três tipos de proprietários. Tem aquele que está no segmento há três gerações, o açougue passou pelos avós e pais, e que precisa se adaptar e se modernizar. Tem aquele que sempre desejou trabalhar no ramo, morre de medo e tem aquele que fala ‘o que fiz da minha vida?

Revista + Carne – Como é modernizar um açougue? Quais áreas engloba essa atualização da atividade?

Andrea Mesquita – Primeiramente, é necessário partir do princípio documental. Se antigamente não precisa faturar tudo, hoje, a Receita Federal não permite que isso ocorra. Antes, era possível comprar de um fornecedor que passava na rua e não dava nota fiscal. É necessário também aceitar cartão de crédito de todas as bandeiras, senão o proprietário perde venda. É preciso ter a maquininha do cartão e muitos proprietários de pagar taxas, mas são modernizações básicas necessárias. Não tem jeito, a tecnologia veio para ficar. Por outro lado, antigamente, havia funcionário trabalhando por diária e, hoje, é um risco para o açougue.

A modernização parte da premissa de que o proprietário é um empresário e não um comerciante. Entender essa diferença muda o comportamento dele. Atualmente, a palavra que se usa muito é se profissionalizar. Caso o proprietário queira trabalhar no balcão, é melhor que vá trabalhar para alguém.

Uma segunda fase da modernização, é pensar em mudar o visual, desde obra fachada que é importante, mas não é determinante como as ações que apontei anteriormente.

Revista + Carne – Dê detalhes de sua comparação ‘mais açougue, menos farmácia?

Andrea Mesquita – Primeiramente, quando vi e olhei para o varejo da carne, vi o varejo farma crescendo com forte velocidade. Pensei e analisei o que estavam fazendo. Não sou por um mundo de mais açougues e menos farmácia, mas se existirem 90 mil farmácias, eu quero ser uma delas. Existe oportunidade de negócios e por que eles estão fazendo algo que a gente não enxergou? Essa é a provocação! Tem alguém fazendo o que eu não sei.

Quais soluções a farmácia encontrou? O que entendi do universo das farmácias é o sucesso do associativismo, a cadeia funciona há três décadas e, enquanto ela está acoplada, ou seja, o fornecedor vende mais, quando o varejista vende mais. A principal diferença é o comportamento associativista e, a partir disso, passa a ter acesso a dados, que mudam comportamentos e estratégias.


Revista + Carne
– A quais tipos de dados o associativismo dá acesso?

Andrea Mesquita – Dados de fornecedores, como qual tem melhor preço, quem dá mais prazo, comportamento desse mercado. Se não tenho uma base de dados, como vou montar a minha loja? Que produtos tenho que ter, qual o mix ideal de produtos? Coloco acessórios ou não? Os dados podem também mostrar que alguns não são bons para determinadas regiões.

Atualmente, uma grande tendência no mercado é o one stop shop. Boa parte dos consumidores quer entrar em apenas um lugar e resolver a vida dele. Como, por exemplo, comprar a entrada de uma refeição, prato principal, sobremesa, bebida e guardanapo. Quando o açougueiro acha que está lá só para vender carne, está fadado ao insucesso.

É importante observar também que temos os frigoríficos como grande fornecedor, porém atualmente, vale ressaltar que temos outros fornecedores para incluir no negócio açougue, tais como fornecedores de descartáveis, de produtos de limpeza, uniformes, equipamentos etc.


Revista + Carne
– Hoje o consumidor busca mais complementos e praticidade, certo?

Andrea Mesquita – Atualmente, uma grande tendência no mercado é o one stop shop. Boa parte dos consumidores quer entrar em apenas um lugar e resolver a vida dele. Como, por exemplo, comprar a entrada de uma refeição, prato principal, sobremesa, bebida e guardanapo. Quando o açougueiro acha que está lá só para vender carne, está fadado ao insucesso.

O consumidor quer o frango assado, a farofa, a maionese e a bebida já gelada, senão ele vai na loja de conveniência comprar a bebida. O sucesso está em pensar em resolver o problema do consumidor do começo ao fim. Atualmente, o frango assado é uma grande frente que deu certo, mas o açougueiro precisa ter dados para dar preço ao frango de forma a não ter prejuízo. É bom lembrar que o consumidor gosta de carne, mas não precisa fazer uma costela em casa, há várias alternativas de produtos prontos para oferecer.

Revista + Carne – Como é a relação frigorífico e açougue?

Andrea Mesquita – Falando em termos de frigoríficos, temos de todos os tipos. Alguns que atendem somente os grandes e não se preocupam com pequeno varejo e o açougueiro reclama muito disso. Muitas vezes, comprar pouco não permite uma negociação muito boa. Hoje, vemos pequenos frigoríficos regionalizados dispostos a atender o pequeno varejo. Acho esse um bom caminho para a pecuária no futuro. Ou seja, descentralizar de grandes empresas que estão exportando, trabalhando numa dinâmica de preço de venda para outro tipo de mercado e começar a olhar para pequenos produtores, com pequenos entrepostos que tenham selo de certificação que garanta a integridade do produto.


Revista + Carne
– O que considera desafiador para o negócio brasileiro de açougue?

Andrea Mesquita – O que me preocupa é a migração da compra para supermercados, eles não precisam da venda da carne, pois têm 10 mil itens para vender, porém a carne é um chamariz. A nossa aposta com nossos clientes é que o mercado nunca vai atender como um açougue. O mercado está lá para fazer uma compra rápida, não é para isso que o mercado está lá e nunca vai atender como o açougue atende. Se não fosse assim, teria farmácia dentro de supermercados. Se fosse assim, as farmácias em supermercados estariam proliferando.

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