A carne e produtos cárneos estão entre os alimentos mais sujeitos à contaminação microbiológica e a embalagem deve atender às necessidades de preservação e características físicas, sensoriais e coloração do produto.
Revista + Carne consultou as pesquisadoras Fiorella B. H. Dantas, gerente técnica de Interação e Conformidade de Embalagens do Centro de Tecnologia de Embalagem (Cetea) do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital/Apta/SAA), e Nanci Castanha, integrante do corpo técnico do CCD Circula, projeto de inovação aberta liderado pela instituição, que ressaltaram aspectos importantes a serem incorporados nas embalagens de carnes e seus derivados para melhor assegurar sua integridade para o consumidor.
Controles
A perda de qualidade de cárneos está associada a alterações microbiológicas, bioquímicas, químicas e físicas, que podem ocorrer individualmente ou relacionar-se entre si dependendo do produto. Para preservar produtos cárneos, é importante, portanto, o controle de taxas de permeabilidade ao oxigênio e ao vapor d’água e de barreira à transmissão de luz, especialmente no comprimento ultravioleta, pois esses fatores externos atuam sobre a velocidade das reações que resultam em perda de qualidade durante a estocagem. A integridade da embalagem, principalmente nas áreas de fechamento, previne a contaminação microbiológica advinda do ambiente de comercialização e por sujidades.
As embalagens devem ser resistentes e seguras, evitando vazamentos e rupturas durante o processamento, transporte e armazenamento. Por fim, mas não menos importante, devem ser fáceis de manusear e funcionais, além de ter apresentação atraente para os consumidores.
Carne fresca
Para carnes frescas refrigeradas uma aplicação muito comum de embalagem é de filmes de alta permeabilidade ao oxigênio, que protegem o produto da desidratação superficial e permite a oxigenação do pigmento mioglobina, mantendo a coloração vermelha brilhante da carne, especialmente para carne bovina. Os filmes de policloreto de vinila (PVC) e os filmes poliolefínicos coextrusados, esticáveis ou encolhíveis, podem ser utilizados como envoltórios diretamente sobre o produto ou para envolver bandejas e berços.
Uma alternativa para aumentar a durabilidade de carnes bovina e suína são as embalagens a vácuo, especialmente as encolhíveis. Trata-se de materiais de alta barreira ao oxigênio, que minimizam o crescimento microbiológico e as reações de oxidação da gordura e dos pigmentos das carnes.
Para o mercado brasileiro estão disponíveis filmes encolhíveis para o acondicionamento a vácuo de carne fresca em estruturas com uso de resina barreira de EVOH, resina sem cloro, como alternativa aos filmes tradicionais multicamadas com PVDC, porém as estruturas contendo PVDC ainda são muito utilizadas devido às propriedades de barreira e resistência à umidade. Na área de acondicionamento a vácuo, há a alternativa de uso de embalagens termoformadas para carne fresca bovina, suína, de aves e produtos marinados.
Congeladas
Mesmo congeladas, as carnes sofrem um processo constante de perda gradativa da qualidade, principalmente em função de oxidação de seus componentes e de alterações enzimáticas e físicas. Assim, suas embalagens devem apresentar baixa permeabilidade ao vapor d’água, minimizando a desidratação e consequente queima pelo frio. Também é importante que sejam flexíveis, permitindo a redução do espaço livre ao redor do produto, o que minimiza a queima pelo frio e, ao mesmo tempo, a expansão do volume do produto durante o processo de congelamento. Devem ainda resistir aos impactos mecânicos a baixas temperaturas, como o rasgamento e a perfuração, ser barreira a gorduras e livre de odores estranhos e apresentar custo compatível com a aplicação. Em casos de produtos com alto teor de gordura, para minimizar a oxidação, são recomendadas embalagens com boa barreira ao oxigênio do ar, associadas ao acondicionamento a vácuo ou com atmosfera modificada. Sacos de polietileno de alta densidade (PEAD) podem ser utilizados para carne congelada, pois apresentam maior barreira ao vapor d’água, minimizando ainda mais o problema de desidratação.
Reciclagem
Nem todas as embalagens plásticas para carne são recicláveis e/ou recicladas. Isso varia de acordo com o tipo de plástico usado e a infraestrutura de coleta e reciclagem disponível na região.
Muitas embalagens, especialmente a vácuo, são formadas por filmes plásticos flexíveis multicamadas, que são estruturas compostas por várias camadas de diferentes materiais plásticos unidas por processo de coextrusão ou laminação, cada uma projetada com propriedades específicas de forma a proporcionar uma combinação ideal de barreira, resistência, flexibilidade e outras características desejadas.
As camadas podem incluir materiais como polietileno (PE), polipropileno (PP), polietileno tereftalato (PET), poliamida (PA) e etileno vinil álcool (EVOH). Ao combinar esses materiais, os filmes plásticos multicamadas podem oferecer benefícios como maior vida útil do produto, preservação do frescor e da qualidade, melhor estabilidade do produto e apresentação atraente. Entretanto, a combinação de materiais prejudica a reciclabilidade e o desenvolvimento de alternativas para superar essa dificuldade tem sido um importante foco de estudo da indústria e da academia para otimizar a cadeia de reciclagem dessas embalagens.
Existe uma demanda crescente de estudos envolvendo opções de materiais de embalagem e redução do uso de material virgem não somente para carnes e plásticos, mas para todos os segmentos. É um movimento impulsionado principalmente pelas propostas de alteração de leis na Europa e nos Estados Unidos incorporadas pelas grandes empresas. Há um entendimento global que mudanças são necessárias, mas elas precisam ser pautadas na economia circular, independentemente do material utilizado como embalagem.
Um exemplo de estudo pautado nos conceitos da economia circular, em andamento no Centro de Tecnologia de Embalagem (Cetea) do Ital/Apta/SAA, é o projeto “Embalagens desenhadas para a reciclagem”, que visa propor embalagens plásticas flexíveis alternativas, com maior reciclabilidade e com propriedades competitivas em relação aos materiais convencionais, contribuindo com a economia circular e a redução dos impactos ambientais. Esse projeto está conectado ao CCD Circula, Centro de Ciência para o Desenvolvimento Soluções para os resíduos pós-consumo: embalagens e produtos (https://ccdcircula.org.br/).
É crucial destacar que a eficiência da embalagem desempenha um papel fundamental para minimizar perdas de produto. Devido ao alto valor agregado dos produtos cárneos, sua perda resulta em um impacto ambiental significativamente maior do que a perda da embalagem em si. Vale ressaltar também que a sustentabilidade da embalagem não deve comprometer a segurança do alimento, pois é fundamental l garantir que qualquer alternativa de embalagem seja segura para o contato com alimentos e mantenha a qualidade da carne.
Foto – Fiorella B. H. Dantas, gerente técnica de Interação e Conformidade de Embalagens do Centro de Tecnologia de Embalagem (Cetea) do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital/Apta/SAA