No início deste ano, no Brasil, foi criado um programa que estabelece uma nova política industrial com metas de desenvolvimento até 2033 – é o programa ‘Nova Indústria Brasil”, que definiu áreas estratégicas para investimento de acordo com o potencial impacto no desenvolvimento social e econômico do país.
A necessidade de ‘reindustrialização’ do Brasil é fato premente para crescimento em produtividade e, consequentemente, em competitividade. Para isso, investimentos em automação e digitalização nas indústrias são fundamentais para não ficarmos para traz no cenário mundial. Para falar sobre o atual status das indústrias de alimentos conversamos com Armando Aquino, presidente da Cãmara Setorial de Máquinas para a Indústria Alimentícia, Farmacêutica e Refrigeração Industrial da ABIMAQ (CSMIAFRI). Confira alguns tópicos abordados nessa conversa.
Por: Juçara Pivaro
Os investimentos em bens de capital e infraestrutura estão em níveis muito baixos, e com tendência de queda, já há alguns exercícios financeiros, principalmente na indústria. A alta taxa de juros em curso na economia brasileira é fator determinante desse cenário. Os indicadores demonstram que, apesar do crescimento do PIB, ainda que modesto, temos assistido continuamente a um baixo desempenho dos indicadores da Formulação Bruta de Capital Fixo (FBCF), que é o que representa, essencialmente, esse tipo de investimento.
A indústria de alimentos, especificamente, não é exceção e, por conta disso, nossa análise é de que os investimentos em atualização de máquinas têm se limitado às demandas que não possam ser adiadas ou suprimidas.
Isso é muito negativo, pois prejudica a performance das linhas, devido à sua obsolescência, inclusive nos aspectos relacionados à incorporação de novas tecnologias ou de recursos da Industria 4.0, por exemplo. Porém, fica claro existir um hiato importante de investimento a ser compensado e que isso pode acontecer a qualquer momento, em havendo um cenário econômico motivador para que a indústria volte a investir em níveis adequados.
A taxa de investimentos em relação ao PIB no Brasil, segundo o IBGE, está em torno de 17%. O esperado para um crescimento estável e constante da economia é de não menos de 25%. Na virada do século, nossa taxa esteve próxima de 20% e caiu drasticamente para 14,3% na crise econômica de 2016, tendo iniciado uma recuperação que chegou a 18,3 em 2022.
Automação
Nota-se que as indústrias, principalmente as de grande porte, dedicam um esforço continuado em busca da digitalização e organização de processos e de coleta de informações. Quer seja para o controle de processos industriais, quer seja para a previsão ou predição de intervenções de manutenção nas linhas, com o propósito de melhorar os índices de produtividade e a redução de paradas ou intervenções humanas nas ações e linhas de produção. Porém, as ações são pontuais e ainda existe muito espaço para a implementação de ideias, sistemas e equipamentos que aportem melhores resultados.
O emprego da inteligência artificial em várias ações vem se intensificando. Com isso, a demanda pelas informações automáticas também, já que os algoritmos apresentam melhores resultados e respostas quanto melhor alimentados estão de dados. Isso abre espaço para muitas oportunidades.
Frigoríficos
Existem ações implementadas por demandas específicas de mercados, como a necessidade de maiores e melhores controles de produção e qualidade para exportação de alimentos para países específicos, já que a exportação de alimentos tem sido uma demanda importante para o setor.
Um exemplo prático, com a alta demanda na exportação de carne pelos frigoríficos brasileiros, está na automação do processo de pesagem, impressão e aplicação de etiquetas nas caixas de embarque. Um gargalo nos frigoríficos, como exemplo em um frigorífico de abate de 1.200 cabeças/dia, esse processo de forma manual é executado por até 8 ou 10 colaboradores em estações de pesagem, que retiram as caixas da linha transportadora para depositá-las em uma balança estática, aguardam a impressão da etiqueta de identificação com os dados fixos e variáveis, aplicam as etiquetas nas caixas e as devolvem novamente à linha transportadora para sequência do processo.
Com sistemas automáticos em implantação nos frigoríficos, linhas automáticas com balanças dinâmicas (em transportadores) e sistemas automáticos de impressão e aplicação de etiquetas, são capazes de executar a mesma tarefa com um único conjunto de pesagem, impressão e aplicação de etiquetas, com sistemas de câmeras que garantem a correta execução da tarefa. Uma modernização simples, que adiciona eficiência ao processo e libera colaboradores para outras atividades, ajudando, inclusive, no melhor aproveitamento desses recursos, cada vez mais escassos, em função do aumento de demanda para o setor, permitindo possível incremento no número de cabeças abatidas ao dia, associado a outros investimentos no processo, ou simplesmente, melhora de produtividade com os recursos existentes
Impulso 4.0
O conceito da indústria 4.0 foi um grande impulso para que as indústrias, de forma geral, buscassem uma maior conectividade entre os equipamentos e processos de suas linhas. Isso impulsionou, desde a última década, um movimento muito expressivo na implementação de sistemas e processos de controle, que por sua vez, trouxe novos horizontes sobre ações de diferentes tipos para a modernização de equipamentos, processos e linhas de produção, além de investimentos em recursos de armazenagem, manejo e melhor aproveitamento dos dados gerais – (tanto de produção quanto de monitoramento dos equipamentos).
Hoje, existem várias linhas de financiamento com foco em investimentos voltados à inovação, característica intrínseca dessas novas tecnologias, o que facilita e motiva decisões favoráveis das empresas no investimento nessa área.
Inteligência Artificial
A inteligência artificial já está sendo empregada no estudo de diversas ações, quer sejam de intervenção humana, como procedimentos de manutenção ou ajuste de equipamentos, por exemplo, quer sejam no processo produtivo. Um exemplo prático é o emprego da inteligência artificial (ou especificamente o Deep Learning), na análise de imagens geradas por Raios X na inspeção de alimentos. Os contaminantes de densidade alta (como metais, vidros, pedras) são facilmente detectáveis pela tecnologia de Raios X, que em seus algoritmos conseguem indicar corpos estranhos baseados na variação da densidade regular, a partir da referência do produto não contaminado. Porém, contaminantes de baixa densidade, (como plásticos, borrachas, cartilagens, ossos de baixa densidade) apesar de ocasionalmente gerarem variação visível na imagem produzida pelo RX, por sua baixa densidade não apresentam interferência detectável através da análise de densidade. O emprego de algoritmos de análise das imagens, utilizando o Deep Learning, permite, com o aprendizado automático do modelo aproveitando as ocorrências dessas variações de imagens, trazer resultados nunca antes experimentados na detecção desses contaminantes ou corpos estranhos de baixa densidade. Isso foi, por exemplo, uma solução inovadora na detecção de cartilagens, principalmente em cortes especiais de peitos de frango.
É bom ressaltar que os frigoríficos estão recebendo demandas por modernização de suas linhas. Tanto para atender às exigências dos padrões de qualidade e segurança de clientes internacionais nas exportações, quando para otimizar seus processos, com o propósito de conseguir atender o aumento de demanda pelos produtos no consumo doméstico. O Brasil recentemente assumiu a posição de maior exportador de alimentos do mundo. Somente a carne bovina e a carne de frango representaram cerca de 25% do total da exportação de alimentos do Brasil em 2023. Isso demonstra a importância dessa evolução no emprego de novas tecnologias nas linhas voltadas a esse mercado.