O papel transformador da pecuária sustentável no Brasil

O papel transformador da pecuária sustentável no Brasil

A crise ambiental é pauta em todos os setores, inclusive na cadeia da carne. Na pecuária, o primeiro degrau deste setor, já temos ações concretas que incentivam modelos sustentáveis. Para compreender melhor este cenário, conversamos com Ana Doralina Menezes, presidente da Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável (MBPS), que destacou a importância de políticas públicas, inovação e engajamento para posicionar a pecuária como aliada na solução climática e no avanço da sustentabilidade no setor
Por: Erika Ventura

Revista +Carne: Em um cenário de crise ambiental, o que precisa ser priorizado para que o setor avance em práticas sustentáveis?

Ana Menezes: Para que o setor avance em práticas sustentáveis em um cenário de crise ambiental, é importante priorizar a implementação de ações integradas que unam preservação ambiental, inovação, retorno econômico, produtividade e engajamento da cadeia produtiva. Políticas públicas robustas e mecanismos de incentivo adequados podem posicionar a pecuária brasileira como um modelo de sustentabilidade, mesmo em meio a desafios ambientais complexos.

Políticas como o Plano Safra e o Plano ABC+ e incentivo, como o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), são essenciais para a adoção de práticas sustentáveis em larga escala por produtores, além de garantir uma remuneração àqueles que adotam práticas de conservação.

Revista +Carne: Quais são as ações que a Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável promove para incentivar práticas ambientalmente responsáveis?
Ana Menezes:
A Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável (MBPS) promove diversas ações para incentivar práticas ambientalmente responsáveis e estimular a evolução da sustentabilidade no setor. Dentre elas, reuniões periódicas com o Conselho Diretor, a Comissão Executiva e diversos Grupos de Trabalho ajustam e alinham ações conforme os desafios do setor, bem como produzem materiais técnicos para a promoção do desenvolvimento da sustentabilidade.

Por meio de parcerias e projetos, facilitamos o progresso da sustentabilidade no setor, oferecendo benefícios diretos aos associados e diferentes atores da cadeia de valor. Também organizamos eventos, fóruns e debates sobre temas emergentes, incentivando soluções práticas para a cadeia produtiva. No âmbito internacional, participa dos conselhos e grupos de trabalho da Global Roundtable for Sustainable Beef (GRSB), representando a voz da pecuária brasileira, acompanhando tendências globais e contribuindo para o diálogo internacional sobre sustentabilidade.

Revista +Carne: Existem exemplos concretos de como práticas sustentáveis também trazem retorno financeiro?

Ana Menezes: As atividades agropecuárias e florestais têm se mostrado as mais viáveis em remover carbono da atmosfera, o que as torna fundamentais na estratégia mundial de mitigação de GEE. A pecuária sustentável tem o potencial de funcionar como uma atividade carbono neutro a partir da associação com novas tecnologias e/ou práticas agrícolas de remoção de carbono, tornando-se uma aliada na solução climática. Entre estas práticas apoiadas pela MBPS, destacam-se:

  • Recuperação de pastagens degradadas: a revitalização de pastagens melhora o sequestro de carbono no solo, reduzindo sua concentração na atmosfera, além de aumentar a produtividade.
  • Sistemas de produção integrados: Os sistemas integrados como ILP, ILPF, entre outros, podem expandir a produção agrícola nacional sem a necessidade de abrir novas fronteiras. Sua adoção sequestra o carbono no solo e melhora a eficiência produtiva, bem como diminui a pressão para conversão de novas áreas de floresta.
  • Aumento na Eficiência de Produção: melhoramento genético, nutrição balanceada e manejo adequado podem reduzir o tempo de abate dos animais e a eficiência de conversão de alimentar, reduzindo a emissão de metano por unidade de carne ou leite produzidos. Tecnologias como aditivos alimentares também podem reduzir a fermentação entérica, contribuindo ainda mais para essa redução no setor.

Revista +Carne: Em relação à emissão de carbono, como a pecuária brasileira está se posicionando para reduzir seu impacto?

Ana Menezes: A pecuária tem um grande potencial de remover carbono da atmosfera e mitigar as emissões. O Brasil tem trabalhado em diversas frentes para enfrentar as mudanças climáticas, desde plano de recuperação de pastagens, revisão de política nacional de mudanças do clima, adequação do Plano ABC, discussões na Câmara de Agro Carbono, participação na COP 29, realização da COP 30 no País, entre outros. A ciência é muito importante para o avanço das discussões e as melhores tomadas de decisões, bem como a importância da tropicalização das métricas internacionais.

Por meio do GT de Clima, a MBPS tem acompanhado e debatido sobre a necessidade da geração de crédito de carbono no setor agropecuário e o potencial da pecuária brasileira como parte da solução para a mitigação das mudanças climáticas, promovendo práticas sustentáveis, políticas públicas robustas para reduzir as emissões de GEE e apoia a ampliação de incentivos adequados.

Um dos grandes desafios da pecuária, e uma boa oportunidade também, é a regulamentação do mercado de carbono, que de forma estruturada poderá beneficiar o agro inteiro pelo seu potencial de reservatório. Conseguir efetivamente medir as emissões de forma realista com as condições do Brasil, a realidade do produtor brasileiro, regionalidades, diferenças de clima, manejo etc., é um dos caminhos para que a pecuária seja parte da solução e não do problema. Assim como encontrar maneiras viáveis tecnicamente e financeiramente para que as responsabilidades e benefícios sejam distribuídos ao longo da cadeia e que no fim todos saem ganhando.

Revista +Carne: Você acredita que o aumento da demanda por produtos certificados e de origem sustentável podem acelerar as mudanças no setor, principalmente no ponto de vista do consumo?
Ana Menezes:
Entendemos que certificações são a garantia de que o produto cumpre padrões de qualidade e segurança. Essas iniciativas dão acesso a mercados e valorizam os produtos, contribuem para práticas mais éticas e ambientalmente corretas, asseguram a rastreabilidade de produtos, e incentivam a adoção de tecnologias e práticas mais eficientes e inovadoras. Além disso, auxiliam os produtores a se destacarem em um mercado cada vez mais exigente ao mesmo tempo que garantem ao consumidor que a carne, por exemplo, foi produzida de forma sustentável e em conformidade com as leis do País.

Revista +Carne: Quais são as principais metas de sustentabilidade estabelecidas pela Mesa Brasileira da Pecuária Sustentável para os próximos anos?
Ana Menezes:
Em 2021, a MBPS firmou um compromisso público com seus associados a favor da pecuária sustentável. Além de reforçar o potencial de conservação da atividade no Brasil e se comprometer com isso, com o documento, pretendemos estimular os diversos atores que atuam na cadeia produtiva a unirem esforços nesse sentido.Atualmente, este documento está em atualização junto das categorias da cadeia de valor da pecuária para adequação às realidades do setor bem como da entidade.

De forma geral, com este documento, a MBPS apoia e se compromete com a implementação do Código Florestal Brasileiro (Lei 12.651/2012) com priorização e evolução da análise do Cadastro Ambiental Rural (CAR) em todos os órgãos estaduais e federais, bem como a análise e aprovação do Programa de Regularização Ambiental (PRA) com a urgência que a produção exige; a comunicação das experiências de sucesso na produção e o protagonismo do país tanto em termos de legislação ambiental, conservação e agropecuária de baixo carbono e em firmar parcerias para a pesquisa e inovação agropecuária como instrumentos fundamentais para a geração de conhecimento e tecnologias que permitam o aumento de eficiência na produção.

Revista +Carne: Que tipos de políticas públicas poderiam fortalecer as práticas de sustentabilidade na pecuária brasileira? Isso já é uma realidade?
Ana Menezes:
Políticas públicas robustas e mecanismos de incentivo são importantes para que o setor agropecuário possa continuar a se desenvolver na sustentabilidade. Entendemos também que políticas, como por exemplo, Plano Safra,  Plano ABC+, Compromisso Global Metano, Plano de Recuperação de Pastagens Degradadas e  Plataforma AgroBrasil+Sustentável,são essenciais para a adoção de práticas sustentáveis em larga escala por produtores. Além disso, apoiamos incentivos como o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), que garantem a remuneração de produtores que adotam práticas de conservação. Um exemplo prático foi a elaboração de uma proposta para Política Nacional de Rastreabilidade Individual Obrigatória, apresentada pela MBPS ao Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA),visando aumentar a transparência na cadeia produtiva e o controle sanitário e socioambiental. Todas estas iniciativas somadas fortalecem o caminho para a sustentabilidade.

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